As dinâmicas de produção, transação, transformação, armazenamento e consumo de bens alimentares dependem diretamente das infraestruturas construídas a que estão associadas, muitas vezes criadas expressamente para estabelecer e facilitar tais dinâmicas. As ligações entre quem produz, distribui e consome alimentos passam, em grande medida, pelos territórios, redes e edifícios cuja organização e realização visou, em diferentes momentos da história, tornar efetiva a soberania alimentar de comunidades a diversas escalas: dos sonhos de autossuficiência e autarcia em contexto imperial, nacional ou regional até à resposta a necessidades elementares de subsistência local, das estratégias de aumento da produção e produtividade da mão de obra à atenção, recentemente renovada, a mecanismos de reforço de proximidade produtor-consumidor. Estas infraestruturas traduzem também ambições potencialmente incompletas ou contraditórias, como as forças simultâneas e divergentes da procura de autossuficiência e da integração nos mercados internacionais, ou o desenvolvimento dos métodos produtivos e a intrínseca perda de diversidade agrícola e de estabilidade populacional. Perante requisitos e imperativos variáveis no tempo e no espaço, o ambiente construído foi sendo dotado do equipamento que lhes deu expressão material, funcional e morfológica.
Esta sessão propõe-se discutir o modo como tal tradução – de estratégias, ideias e necessidades em edificações – se vem desenvolvendo, desde o século XIX, nos contextos atlântico e mediterrânico, e como os seus resultados físicos – em edifícios, redes e territórios – podem permanecer ativos e responder a exigências novas e antigas, atuais e futuras, num momento em que a resiliência e a sustentabilidade das comunidades locais, tanto alimentar quanto infraestrutural, exige ação tão urgente quanto sustentada no conhecimento do passado.
A sessão acolherá com particular interesse trabalhos que interroguem estes pressupostos a partir do estudo de casos específicos assente em investigação histórica que atenda aos aspetos material, estrutural e/ou arquitetónico, considerando que a validade genérica daquelas propostas pode ser consideravelmente enriquecida, equacionada e mesmo contestada na presença de objetos concretos e circunstâncias locais. Visto de uma perspectiva abrangente, o ambiente construído que envolve e sustenta (ou, porventura, dificulta) a soberania alimentar nos últimos duzentos anos inclui, entre inúmeros possíveis objetos de estudo, estruturas de: produção, armazenamento, distribuição e comercialização (regadios, estufas, celeiros, silos, lagares, adegas, entrepostos, matadouros, aquiculturas, lotas, mercados); investigação científica, aperfeiçoamento e controle de colheitas e produções (postos de culturas, estações agrárias, armazéns reguladores); gestão e alojamento de mão de obra sazonal (montes, armações, acampamentos, parques de contentores); e assistência e controle económico-social (grémios, casas do Povo, casas dos Pescadores e outras instituições estatais, paraestatais e privadas)